A ousadia de South Park: um olhar retrospectivo sobre episódios que não passariam despercebidos hoje
Desde 1997, South Park tem sido sinônimo de humor ácido, sátira afiada e uma capacidade ímpar de gerar controvérsia. Criada por Trey Parker e Matt Stone, a série animada do Comedy Central nunca se esquivou de abordar os temas mais sensíveis e polêmicos, o que lhe rendeu aclamação e críticas em igual medida. No entanto, ao revisitar alguns dos episódios mais marcantes de suas primeiras temporadas, é possível notar que muitos deles dificilmente seriam aprovados ou transmitidos na televisão ou plataformas de streaming atuais, dada a crescente sensibilidade e o rigor em pautas sociais.
1. “Super Best Friends” e a polêmica figura de Maomé
Um dos episódios mais notórios por sua dificuldade de acesso é “Super Best Friends” (Temporada 5, Episódio 3). Nele, uma paródia dos “Super Amigos” é formada para combater um culto liderado por David Blaine. O problema reside na inclusão de Maomé como um dos “Super Melhores Amigos”. Representações visuais de Maomé são extremamente controversas no Islamismo, e a decisão de incluí-lo, mesmo em tom satírico, gerou indignação na época e torna o episódio indisponível para streaming em muitas plataformas. A ideia de uma produção com tal conteúdo ser aprovada hoje é praticamente nula.
2. “Trapped in the Closet” e a mira na Cientologia
O episódio “Trapped in the Closet” (Temporada 9, Episódio 12) mergulha na Cientologia, com Stan Marsh se juntando à organização e sendo considerado a reencarnação de L. Ron Hubbard. A sátira não poupou figuras proeminentes como Tom Cruise e John Travolta. A Cientologia reagiu com ameaças legais e investigações, levando inclusive à saída do personagem Chef da série. Uma crítica tão direta a uma organização religiosa, com envolvimento de celebridades, seria um campo minado para qualquer produção atual.
3. “Cartman Joins NAMBLA” e o tema da pedofilia
Em “Cartman Joins NAMBLA” (Temporada 4, Episódio 5), Cartman se junta inadvertidamente à North American Man/Boy Love Association (NAMBLA), enquanto Kenny tenta impedir o nascimento de seu irmão de forma violenta. O tema da pedofilia, mesmo em um contexto satírico que visa expor os perigos, é abordado de maneira tão explícita que o episódio é considerado um dos mais gráficos e desconfortáveis da série. Hoje, a linha tênue entre humor e o tratamento de tal assunto seria quase intransponível.
4. “Miss Teacher Bangs a Boy” e o relacionamento professor-aluno
O episódio “Miss Teacher Bangs a Boy” (Temporada 10, Episódio 10) explora a relação perturbadora entre o jovem Ike e sua professora, Miss Stevenson. Cartman, em seu papel de fiscal de corredor, tenta alertar sobre a situação. A trama, que envolve o risco de Miss Stevenson levar Ike para fora dos Estados Unidos, toca em temas de abuso e grooming de forma alarmante. A seriedade com que a situação é tratada, mesmo com o humor característico, seria recebida com repúdio e indignação nos dias de hoje.
5. “Jared Has Aides” e a sombra de Jared Fogle
“Jared Has Aides” (Temporada 6, Episódio 1) brinca com a confusão entre “aides” (assistentes pessoais) e AIDS, focando em Jared Fogle, então porta-voz do Subway. O episódio ganhou uma conotação sombria após a prisão de Fogle por crimes sexuais contra menores. O que era uma piada sobre um mal-entendido linguístico se tornou macabro diante da realidade dos crimes de Fogle. Se os crimes de Fogle fossem conhecidos na época, este episódio provavelmente nunca teria ido ao ar.
Outros episódios que desafiaram e continuam desafiando
Episódios como “Chef Goes Nanners” (Temporada 4, Episódio 7), que aborda o racismo em uma bandeira, “Do the Handicapped Go to Hell?” (Temporada 4, Episódio 9), que questiona o destino de pessoas com deficiência no além, e a saga “Cartoon Wars Part I” e “Part II” (Temporada 10, Episódios 3 e 4), que satirizam a representação de Maomé em Family Guy, também enfrentariam barreiras significativas hoje. “Hell on Earth 2006” (Temporada 10, Episódio 11), que zombou da morte recente de Steve Irwin, e o controverso arco “200” e “201” (Temporada 14, Episódios 5 e 6), que gerou ameaças de morte devido à representação de Maomé e levou a processos, exemplificam como o humor de South Park, embora genial para muitos, cruzou linhas que hoje seriam consideradas inaceitáveis por uma parcela considerável do público e da indústria.
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